sexta-feira, 16 de maio de 2014

Take it easy, my brother...


Momento de louvor da qawwaali, uma crença corrente do Islamismo. Foto: Rasha Yousif


De forma mística, introspectiva, silenciosa. PARAR, ainda que por míseros minutos, é VITAL. Pegar carona na brisa que toca as árvores, perceber a dança do vento que arrasa e encosta gelado nas pálpebras. Apreciar uma leitura sem hora para virar a última página, entoar um canto com toda a devoção, se deixando levar pela batida de tambores, erguer as pernas numa rede, sentindo o sol entre rápidas nuvens. As voltas do cotidiano nos fazem perder esses momentos que nos são tão caros. Nos imbuímos de preocupações que anulam nossos sentidos, e deixam de lado a verdadeira beleza do mundo gigante, o real. Por isso, com filosofia "mente quieta, espinha ereta e coração tranquilo", o Wanderlust #6 traçou um roteiro sonoro de viagem nessa quinta-feira na On The Rocks, com a intenção de reduzir a sua velocidade, querido leitor.

Há tempos eu escutei o nome de Jeff Buckley. Porém, funciona como livros que param em nossos braços e não colocamos atenção, por estarmos em momentos diferentes. Você dirá: "Ouça isso, pois é genial!". Vou lá, escuto meia dúzia de faixas. Ou me apaixono, ou simplesmente deixo de lado. Anos após, vem a descoberta, quase atônita. "Como eu não tinha escutado isso antes?" E a razão é facilmente compreendida: aquele não era o MEU tempo certo. Sendo assim, o impacto provocado pelo álbum Grace (1994), alçou a obra como minha favorita. Isoladamente, nunca tive ninguém nesse posto por entender a música como a forma mais bela e ampla de uma manifestação artística. Mas quando um disco dialoga com a sua vida, realmente, o buraco é BEM mais embaixo.

Jeff Buckley - Grace


Sem pensar na profundidade das letras, há coisas no cantor, compositor e guitarrista norte-americano, que trago na minha bagagem musical desde a infância, quando peguei um violão e, desesperadamente, queria aprender Stairway To Heaven, do Led e Paranoid Android, do Radiohead. O próprio Robert Plant rasgou elogios à Buckley. Entendo: ambos tinham apreciação por fraseados e arranjos em timbres orientais, vide Last Goodbye, de Grace. Posteriormente, o jeito espontâneo, quase torto de cantar e tocar de Buckley, imprimiu traços nas características "on stage" de Thom Yorke e Chris Martin, do 
Coldplay. Mesmo tendo ficado arrasada ao saber que morreu afogado em 1997, ao nadar em afluente do rio Mississipi, antes de ir para um ensaio com a banda, é perceptível que a história de alguns mestres da música tem de ser assim, para que imortalizem suas próprias histórias de vida, nas nossas.

Jeff Buckley - Last Goodbye


Descobri ainda, que Buckley estava perplexo com o talento de Nusrat Fateh Ali Khan, músico paquistanês, que ele por acaso ouviu entoando cânticos, ao lado do quarto onde estava no Harlem, 1990. Listado em 2006 pela revista Time como um dos "Heróis da Ásia", Nusrat era mestre em qawaali, um estilo musical Sufi, corrente do Islamismo, principalmente em Punjab e Sindh, regiões do Paquistão, Hyderabad e Delhi, na Índia, que utiliza cânticos e danças, o que é considerado ilegal por muitos muçulmanos. Buckley ficou extasiado:

"The phrase burst into a climax somewhere, with Nusrat's upper register painting a melody that made my heart long to fly. The piece went on for fifteen minutes. I ate my heart out. (...) At times I've seen him in such a trance while singing that I am sure that the world does not exist for him any longer. The effect it has is gorgeous. These men do not play music, they are music itself".


Nusrat Fathe Ali Khan - Allah  Hoo


Bem mais perto, por esses continentes do lado de cá, outros cantos tiveram sobre mim, um efeito parecido. O álbum Music for The Native Americans, produzido pelo guitarrista e compositor canadense Robbie Robertson foi feito para o documentário de TV americana, que rodou em 1994, chamado The Native Americans. O filme explora a história dos índios nas Américas, bem como suas culturas, na qual a cada uma hora, das seis do documentário, mostra uma região particular dos Estados Unidos.



Impossível seria, ao falar em índios, não relembrar as minhas raízes, assim como a de milhares de brasileiros. Embora não tenha guardado o retrato da minha bisavó paterna, por parte de minha avó, bastou eu ver a imagem em preto e branco daquela índia de cara bem quadrada, retirada no interior de Bagé, para nunca mais me esquecer de onde eu vim. Próximo a minha realidade, não conheço exemplo maior de povo que sabe não só apreciar, mas que compreende o papel fundamental da natureza e sua contemplação nas nossas vidas. Por isso, rodei o som extraído do álbum Memória Viva Guarani (2000) gravado com 300 crianças de tribos guarani e tupi-guarani do Rio de Janeiro e São Paulo. No canto, que significa "Nossos pais são o vento e o trovão", as crianças evocam "o espírito ancestral em cada um de nós e, deixando claro a importância dos cânticos em cada situação de nossa existência".

Ñande Reko Arandu ''Memória Viva Guarani'' - Oreru nhamandú tupã oreru

Nenhum comentário:

Postar um comentário